Entrevistado:

120.2.M29 - Mariana Agostini de Villalba Alvim

Data da entrevista: 17/02/1990

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Função, Escola, Período

Biografia

Mariana Agostini de Villalba Alvim nasceu no dia 08 de abril de 1909, no Rio de Janeiro, no sobrado onde funcionava o consultório de seu pai, Álvaro Freire de Villalba Alvim, médico, no Largo da Carioca Nº 11. O pai e o avô materno, Angelo Agostini, italiano do Piemonte, artista plástico, cartunista e abolicionista, por sinal, foram duas figuras que marcaram muito a sua vida.
Seu pai foi o responsável pela introdução do Raio X no Brasil, inventado pelo alemão Röentgen. Foi ele quem trouxe a novidade para o país, em 1898. Seu pioneirismo, contudo, custou-lhe a vida. Anos mais tarde, Álvaro acabou morrendo vítima de contaminação, devido à exposição excessiva ao material radioativo. O avô ela não chegou a conhecer, uma vez que ele veio a falecer quando tinha apenas dez meses. O fato de o seu “nono” ter falecido enquanto a carregava no colo e de ambos terem nascido no mesmo dia, contudo, sempre a ligou afetivamente a ele. Sobre Mariana, Angelo costumava dizer que a menina era o presente que havia ganho de aniversário. Por isso paparicava tanto a neta. A admiração que nutria por ambos a levava a crer que tanto Angelo quanto Álvaro eram dignos de ser considerados exemplos para a juventude.
Além da data de aniversário, Mariana compartilhava com o avô algo mais em comum: o apreço e o respeito pela raça negra. Ela verdadeiramente abominava o preconceito racial e todo tipo de discriminação. Foi de certa forma motivada pela luta contra o preconceito racial que começou a se interessar pela área da Educação. O interesse pelo ambiente educacional surgiu ainda na juventude e em parte ela argumentava que isto se deu pelo fato de ter sempre sido uma adolescente muito crítica.
Bastante jovem ainda, aos 19 anos, em 1928, Mariana se casa com o músico português João Sampaio Brandão e dias depois o casal embarca para a França, para estudar em Paris. Ela pensando na Pedagogia e o marido em sua carreira musical. Lá, conhece o intelectual português Antônio Sérgio Sousa, também ele português, filósofo e pedagogo, perseguido na ocasião pelo governo de Salazar, que torna-se seu amigo, de seu marido e de sua cunhada. Foi Sousa quem a matriculou no Colégio Sévigné, onde cursou Pedagogia, com especialização em pré-escola. No Sévigné Mariana teve excelentes professores e muito de sua formação profissional ela creditava àquele curso.
Na capital francesa residiu por cinco anos e lá também estudou na Sorbonne, tendo sida aluna de Henri Wallon, professor de Psicologia da Criança, por quem nutria enorme admiração. Parafraseando Afonso Romano de Sant'Anna, sobre Hélio Pellegrino, Mariana costumava dizer que “Wallon não era um homem, Wallon era muitos”. Wallon foi inegavelmente um marco em sua vida. O convívio com o mestre a levou assim a ter contato com a obra de Karl Marx e posteriormente a abraçar o ideal comunista.
Já o curso de Serviço Social, que ela posteriormente fez no Brasil, logo depois que regressou da Europa, objetivava a obtenção de um diploma brasileiro, uma vez que não havia na época algo equivalente no país ao curso que fizera na França. No Brasil, Mariana trabalhou no Instituto de Seleção e Orientação Profissional (ISOP), no Rio de Janeiro, no Serviço de Assistência a Menores (SAM), do Ministério da Justiça, órgão ao qual originalmente era vinculada e pelo qual se aposentou, em Brasília, tendo igualmente passado pelo Colégio da CASEB, onde foi orientadora educacional, e pelo Elefante Branco. Também trabalhou na Universidade de Brasília (UnB), onde criou o Serviço de Orientação ao Estudante (SOE), a pedido de Darcy Ribeiro, seu amigo, reitor da Universidade na ocasião. Consta ainda de sua trajetória profissional uma passagem pelo Conselho Penitenciário do Distrito Federal, no qual atuava como psicóloga e assistente social.
Mariana mudou-se do Rio de Janeiro para Brasília por idealismo, no início da década de 1960, pouco tempo depois da inauguração da Nova Capital. Ela queria muito participar daquilo que classificava como “uma nova experiência”; como educadora. De seu amigo e colega de trabalho Emílio Mira y López, psiquiatra espanhol, professor, que nutria por ela uma enorme admiração, Mariana ouviu o seguinte: “Uma obra como Brasília traz dois tipos de gente: idealistas e aventureiros. Mas em toda parte do mundo o número de aventureiros é muito maior do que o de idealistas”. Mira não queria de jeito nenhum que ela se transferisse para Brasília. Mariana, contudo, fazia parte do segundo time de pessoas e foi com idealismo e dedicação ao Serviço Social e à Psicologia que atuou profissionalmente a vida toda, até aposentar-se, em 1993. Faleceu em 2001, no dia 13 de julho, em Brasília, cidade que elegeu para residir e da qual não quis sair mesmo depois de ter-se aposentado.


Áreas de atuação

Resumo

A vida profissional de Mariana Agostini de Villalba Alvim, psicóloga, pedagoga e assistente social, sempre esteve muito ligada aos acontecimentos políticos do país. Em 1933, por exemplo, em plena Era Vargas, quando volta da França, onde morou por cerca de cinco anos, ela sofre muito, decepcionada com a situação vigente que encontrou no Brasil, e a impressão que teve foi a de ter aportado em outro planeta. Aqui chegando, posteriormente, ela enfrenta ainda sérios problemas com o governo brasileiro devido a sua ideologia política. Entre outros motivos, a perseguição deveu-se por causa de sua ligação com Henri Wallon, de quem foi aluna em Paris, um dos maiores expoentes do marxismo francês na ocasião, membro militante do Partido Comunista. \r +\r + + +
Do mesmo modo, logo depois de ter voltado da França ela faz o curso de Serviço Social, visando obter um diploma brasileiro que equivalesse ao que obtivera na França, uma vez que o seu não era reconhecido no Brasil, e em seguida vai trabalhar no Serviço de Assistência a Menores do Ministério da Justiça (SAM). Ali, diariamente prestando assistência a maiores e menores delinquentes e carentes, Mariana não pôde deixar de ressentir-se muito com falta de compreensão da cúpula de dirigentes do SAM, relativamente ao problema do trato humano propriamente dito, da pessoa, e por isso reputava sua experiência na instituição como rica, do ponto de vista psicológico e pedagógico, mas ao mesmo tempo muito sofrida. \r +\r + + +
Assim também, anos depois, quando começou a trabalhar no Centro de Psicologia Aplicada, em 1961, em Brasília, Jânio Quadros renuncia. Nessa ocasião, ela teve pela frente o desafio de enfrentar a incompreensão do novo secretário de Serviço Social, para quem Psicologia era luxo. Preocupado com sua situação, o então secretário de Saúde, Dr. Fábio Rabelo, a convida para trabalhar com ele em sua Secretaria, mas Mariana gentilmente recusa o convite, alegando que não gostaria de ficar restrita à área de Saúde apenas. \r +\r + + +
De fato, sua trajetória profissional nem sempre foi fácil. Um episódio singular e do qual ela não gostava muito de falar marcou sua história, ainda em 1960: ela e mais doze professores foram demitidos do Ginásio da CASEB, em Brasília, injustamente, sem um motivo concreto que justificasse a dispensa, enquanto estavam de férias, e foi árdua a luta dela e dos companheiros para serem readmitidos. Mariana e os colegas envidaram então todos os esforços nessa missão; afinal, tinham um passado profissional e um nome a zelar. Foi graças a uma carta que um dos colegas escreveu a Jânio Quadros e também aos artigos diários que os professores mandavam ao Correio Braziliense, contudo, clamando por justiça e cobrando uma explicação por parte da CASEB, que finalmente puderam ser reintegrados ao serviço público. Jânio pediu pessoalmente a seus assessores que resolvessem imediatamente o caso dos professores demitidos. \r +\r + + +
Mais ou menos na mesma época ela teve ainda o privilégio de ter chefiado a equipe que elaborou os testes psicológicos para os alunos que prestaram o primeiro Vestibular realizado na Universidade de Brasília (UnB), no inicio da década de 1960. O convite partiu do antropólogo Darcy Ribeiro, seu amigo pessoal, desde a época em que ambos moravam no Rio de Janeiro, então reitor da UnB, mas como ela era funcionária da Prefeitura teve que obter uma permissão especial antes de aceitar a tarefa, que cumpriu com louvor, juntamente com os colegas que a auxiliaram. Também a convite de Darcy criou o Serviço de Orientação ao Estudante (SOE), da UnB, que chefiou entre os anos de 1962 e 1965.\r +\r + + +
Um ano depois do golpe militar, em 1965, contudo, Mariana e toda a equipe que trabalhava com ela no SOE não aguentam o clima político reinante e pedem para sair. Assim sendo, ela volta para o Ministério da Justiça, inicialmente lotada no Departamento Administrativo, e posteriormente passa a desenvolver um trabalho no Conselho Penitenciário do Distrito Federal, subordinado ao Ministério, ocasião em que submetia os detentos a exames psicológicos objetivando verificar se os mesmos eram ou não merecedores de receber o induto por parte da instituição. Ali, ela e seus colegas do Conselho acalentavam o sonho de construir uma penitenciária mais humana, onde os presos realmente pudessem ser respeitados, preocupada que era com a questão dos direitos humanos. \r +\r + + +
Alguns anos antes, em 1953, por sinal, ela já havia tido um primeiro contato com a questão da criminalidade, quando foi então indicada pelo psiquiatra espanhol Emílio Mira y López, professor, muito seu amigo, com quem trabalhava no ISOP (Instituto de Seleção e Orientação Profissional), no Rio de Janeiro, para atuar como técnica da ONU em um Seminário ocorrido no Brasil naquele ano. O encontro costumava ser periodicamente realizado e um país qualquer era então aleatoriamente escolhido pela ONU para sediá-lo. O Seminário naquele ano denominava-se “Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente”, experiência essa que Mariana reputava como “muito boa”, e foi justamente o material resultante deste Seminário que ela usou para auxiliá-la em seu trabalho no Conselho Penitenciário. Curiosamente, apesar de ter sido sempre requisitada para trabalhar em outros lugares, durante todo o tempo em que atuou profissionalmente, como psicóloga e assistente social, seu órgão de origem sempre foi o Ministério da Justiça, pelo qual se aposentou. \r +\r + + +
Um traço marcante na personalidade de Mariana é que ela sempre foi uma pesquisadora extremamente dedicada. Admiradora de Carl Roger, por exemplo, desde que o conheceu nos Estados Unidos, em 1945, de quem se considerava discípula, passou então a acompanha-lo. Somente para fazer workshops com o mestre ela viajou três vezes à América. Foi justamente Mariana quem introduziu as ideias de Rogers no Brasil. Assim também, sempre que podia participava de Congressos na Europa e aproveitava estas ocasiões para excursionar. Consta ainda de sua biografia uma passagem por Israel, onde morou por quase um ano, em 1969. \r +\r + + +
A questão religiosa também perpassa de viés a vida de Mariana. Figuras emblemáticas, como a de Dom Helder Câmara, por exemplo, cruzaram o seu caminho em determinado momento de sua vida. Ele foi o chefe do Departamento de Pedagogia do SAM na época em que ela ali trabalhou e a quem admirava. De outros eclesiásticos, como o padre Negromonte e certas freiras espanholas, por exemplo, ela certamente preferiria nem lembrar. Mariana trabalhou com os religiosos na ocasião em que estruturou ela própria uma escola para meninas carentes, no Rio de Janeiro, nos mesmos moldes da Sweeten Farm, uma instituição dos Estados Unidos que visitara pouco antes, e que por decisão do então ministro da Justiça teve que acolher uma determinada ordem religiosa designada para ajudá-la no atendimento às internas. Ela era então a supervisora do abrigo. O caso foi tão sério que ao final Mariana entrou com um processo no Ministério da Justiça contra a direção do SAM e em favor das meninas\r +\r + + +
Mariana tinha de fato firmes pontos de vista quanto ao tema da religiosidade e entre outras coisas, a título de exemplo, acreditava que a Polônia, o país mais católico da Europa, era também o mais antissemita dentre os demais. A questão da segregação, qualquer que fosse, sempre a preocupou. Aliás, ela costumava dizer-se contra tudo o que separa e a favor de tudo o que une as pessoas. Por isso vibrou tanto quando o muro de Berlim caiu, em novembro de 1989. Ela se dizia quixotesca e não seria exagero afirmar que lutou muito para derrubar certos moinhos de ventos. Em muitas ocasiões foi exitosa nessa sua missão de batalhar pela construção de um mundo melhor, sem muros, sem barreiras e sem preconceitos.\r +\r + + +

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Palavras-chave

Observação


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